Archive for 26 - março - 2009

Circo Paloma 2: Luzia

Marcelo Valle

Foto:Marcelo Valle

Foto:Marcelo Valle

Luzia chorou como nunca havia chorado, chegou a molhar os pés. Sentia a falta de Juvenal, o mágico, o malandro. Aquele corpo embalsamado não lhe bastava, seco. Foi Juvenal quem encontrou Luzia, frouxa, trouxa na estrada. Ela aos tropeços, menina ainda, com seus 12 anos, sozinha. Restava ainda um resto de resto, de verde nos seus olhos. Carrega consigo impressa lá no fundo dos olhos a lembrança das cores saindo do pó. Sem forma, apenas cores se aproximando numa nuvem de poeira. Ele era a cor mais forte, vinha na frente, vermelho opaco, Juvenal. A última imagem. O que restava de verde vazou de seus olhos, misturaram-se as cores.

A seca era grande, a maior de todas. Secou esperanças, açudes e lembranças. Luzia esqueceu como se caminha. Lembrava apenas do caminho, mas faltava a luz, a cor. O Vermelho Opaco a conduzia, fora adotada como parte da trupe, das cores do circo.

Ele estendia uma corda no chão, fazia e refazia os caminhos. Luzia aos poucos reaprendera a andar sobre a corda. Somente sobre a corda. Um dia Juvenal amarrou a corda entre duas algarobas, bem esticada, longe do chão. Luzia caminhou confiante, e desde então, tornara-se a equilibrista Esperança.

A esperança na corda bamba já não é mais novidade.

26 - março - 2009 at 12:30 8 comentários

Reverberação

Leo Cosendey

Estava numa daquelas sensações em que o peito explode de nervoso e dá para se ouvir o coração batendo como se fosse a polícia pondo abaixo a porta da sua sala para o achaque da semana. Suava um suor pastoso e sombrio, suor salgado e pesado, suor melado de medos passados. Tremia de medo, um medo primal primata primitivo, sozinho no escuro escondido com a faca na mão. A arma improvisada não sabia se lhe seria algo útil, mas atrás da cama, com poucas horas à frente e os malditos passos em redor, não havia muito o que pensar.

Súbito, um rangido.

Ficou sem saber de onde vinha o som, era uma estereodemência que o cercava e o sufocava num calor de sauna, umidade quente que subia pelas narinas e descia pela garganta queimando o ar que inflamava mas não podia deixar de respirar. Inspirava fogo, expirava medo, e o maldito suor pastoso pingava e empapava sua testa sua roupa sua alma. Os cabelos teimavam em cobrir-lhe a testa; tirava-os, obstinado, para enxergar o quê?, à espera, sempre à espera, dos passos que haviam se tornado vozes que haviam de tornar-se gritos que haviam de tornar-se pó. Sorriu nervoso, um esgar rancoroso que projetou-se luminoso em sua própria escuridão.

Então, o ar novo. Aberta a porta certa, a porta do quarto onde por quatro horas se escondia, o sorriso nervoso tornou-se rosto furioso e com a faca na mão fechada apertou os olhos. Eram três, dois que acompanhavam um que dizia:

— E este é o quarto principal. Tenho certeza que vocês vão adorar. É o

Um grito de pânico irrompeu no quarto silente antes que a frase pudesse acabar. Um salto silente irrompeu no quarto em pânico antes que alguém pudesse fugir. Facadas ligeiras, certeiras, inteiras, três corpos sem vida no chão empapado de sangue e suor, ecos de gritos de morte pelas paredes, reverberação. Pilhou carteiras, cartões e o que mais pôde, saiu depressa sem ter para onde, largando para trás o que já chamara lar. Filhos da puta, trio de filhos da puta, querendo comprar a casa abandonada que tanto lhe agradara ocupar.

26 - março - 2009 at 12:02 11 comentários

Biblioteca multimídia

JH Oliveira

Boa opção para quem busca conhecimento pelas esquinas virtuais: a “Europeana”, biblioteca multimídia on-line da Europa, que reúne mais de dois milhões de obras digitalizadas dos 27 Estados-membros da União Europeia. A “Europeana” conta com livros, fotografias, pinturas, mapas e outros conteúdos fornecidos por mais de 1000 organizações culturais de toda a Europa, incluindo Museus, como o Louvre de Paris.

Faltou dizer alguma coisa?

Ah, claro! O endereço…

www.europeana.eu

26 - março - 2009 at 10:15 4 comentários

Quando o barro não se fez carne

Gisele Maia
Deixa eu te dizer: não acredito na pré-existência do que quer que seja. Há, sim, um nada anterior a qualquer coisa, que fica na espreita, esperando que da sua condição de pó se erga uma humanidade inteira. Não me iludo com paixões por esse pó que ainda não é, mas confesso minha vaidade de ter acreditado no poder de criar o paraíso a partir de um naco do teu corpo misturado no meu. Porque não se engane, os meus amores perfeitos são sempre os extraídos da matéria-prima preexistente em mim. Contradições…

Houve um tempo em que não quis morada fixa porque na errância encontrei o substrato para muitas vidas. Também desisti de terapias porque minhas neuroses, obsessões e dramas me provocavam a dose de desespero exata para que eu não morresse de tédio. Porque a falta – de casa, de pais, de dinheiro, de juízo e de amores –, minhas ausências todas eu transformei em impulso vital, ainda que eu ignore onde isso vai dar. Mas é só com alma de renunciante, de andrajo sem-teto, órfão e pobre, que me revisto daquela força conhecida dos que não têm o que perder. E se, por acaso, eu encontrar a fonte de tudo, pode ter certeza que, na minha sede eterna, me jogo e não volto nunca mais.

Olha, já entendi que a gente não vai se encontrar nessa vida, porque um dia eu resolvi que precisava experimentar muito, eu pus o pé na estrada e quebrei a tábua, e agora eu te vejo lá longe no teu caminho que nem no infinito vai esbarrar no meu, exacerbação dos nossos paralelismos, e compreendo que não tenho o direito de querer que você venha correndo ao meu encontro, e jamais te pediria para viver às pressas e deixar incompletos pedaços de existência fundamentais só para alimentar meus caprichos de mulher.

Vá, sim, siga o rumo e perca em paz tuas botas. Eu nunca te acusei e, na verdade, é grande a minha gratidão pelo teu desejo parco e frouxo, forte o bastante para me lembrar do pó de pura ilusão que me constitui, para me dissolver e, assim, me reinventar.

26 - março - 2009 at 1:29 6 comentários


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